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Nesse breve artigo iremos tratar um pouco do teratológico número de instâncias recursais brasileiras e sua contribuição para a impunidade e não resolução dos demais casos concretos. Também será feito um estudo comparativo com outros países que têm um Judiciário mais eficiente.

1 - Introdução:

A questão da celeridade processual no Judiciário brasileiro é no mínimo delicada. Muito se dá por causa das diversas instâncias constantes da organização e distribuição de recursos para os órgãos superiores. Diversas são as vozes que condenam tal esquema recursal, que só prejudica o jurisdicionado na sua pretensão de ver o seu caso solucionado.
Há de se convir que em nenhum lugar no mundo existem tantas instâncias com competências para receber processos que não podem ser julgados originariamente e assim o fazem, mesmo à margem da Constituição Federal.
É um descalabro total, porque além de tornar a marcha processual exaustivamente cansativa chegando a beirar a injustiça, os custos dos trâmites processuais são bastante elevados com cargas de um órgão para outro, bem que em breve o acervo processual dos tribunais será totalmente eletrônico, o que reduzirá este custo. Mas enquanto existir processo físico, os custos serão elevadíssimos.

2 - A ineficiência das “Quatro Instâncias”

É quase unânime dentre os juristas nacionais que o quadro que encontramos no sistema recursal brasileiro atualmente é defeituoso. Uma prova disso é a opinião do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso que disse em uma entrevista que “o Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais. O STF funciona como uma quarta instância”. Ou seja, dependendo da pretensão e da insatisfação com o acórdão das instâncias inferiores, o Supremo deverá solucionar o problema, sendo que a sua função constitucional não é essa, mas de guardião da Constituição Federal, devendo tomar conhecimento somente das causas constantes do art. 102 da Carta Magna.
Outro ponto a ser frisado é a tensão causada nas instâncias superiores com os recursos que não deveriam chegar nem ao Superior Tribunal de Justiça e muito menos no Supremo. No julgamento do Habeas Corpus do ex-ministro Antônio Palocci, o ministro Luís Roberto Barroso disse que:
"Tribunais superiores, Supremas Cortes ou tribunais constitucionais não são feitos para julgarem todo tipo de inconformismo, seja Cível, seja Criminal, de quem tem tenha perdido uma determinada ação. Não é assim em parte alguma do mundo. Nem pode ser assim. (...) O papel é de fixar linhas jurisprudenciais gerais que vão ser aplicadas por outros tribunais. Essa ideia de que o STF deva ser a 4ª instância de todos os processos, inclusive de todos os processos criminais, é um equívoco que não tem como funcionar. É de uma trágica irracionalidade, e é por isso que o STF recebe 100 mil processos por ano."
Há de se entender do que foi dito pelo ministro que a nossa Corte Constitucional está julgando processos fora da sua competência, ou melhor, da competência das instâncias inferiores, que a nosso ver, uma atuação do Supremo Tribunal Federal que não tem amparo na Constituição Federal.
Ainda durante o julgamento do HC, Barroso continua dizendo que "Não é papel de nenhuma Corte Constitucional no mundo julgar 10 mil HCs por ano. É inexplicável. Não há sentido nisso. Jurisdição constitucional não é feita para julgar habeas corpus originariamente". Apesar do habeas corpus ser um remédio constitucional, o Supremo não pode ser em hipótese alguma a instância originária para julgamento, pois a Lei 8.038/90 informa como deve ser os trâmites processuais do citado remédio liberatório.
Há de reconhecer de que o fato de possuir quatro instâncias recursais, além da sensação de injustiça, também há o sentimento de que a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau é desprezível, ou que a primeira instância é apenas uma etapa do processo de reconhecimento do pedido autoral ou da resposta de quem é réu, ou até desconfiança da competência do julgador de primeiro grau. Conforme manifestação da Procuradora-Geral da República Raquel Dodge em reunião do Conselho Superior do Ministério Público:
“No entanto, apenas no Brasil, o Judiciário vinha entendendo que só pode executar uma sentença após quatro instâncias judiciais confirmarem a condenação. Este exagero aniquila o sistema de Justiça exatamente porque uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha. Também instilava desconfiança na decisão do juiz, sobretudo o juiz de primeira instância.”
No Brasil existem três instâncias judiciais. A primeira com o juiz singular, lotados nas varas da Justiça Comum ou Federal; a segunda composta por um grupo de juízes, que são chamados de desembargadores, lotados nos Tribunais Estaduais ou Federais; a terceira é formada por um grupo de juízes, chamados de ministros, lotados nos Tribunais Superiores juntamente com o Supremo Tribunal Federal. Essas três instâncias povoam o campo da teoria, pois por exemplo, o STJ divide a terceira instância com o STF. O Superior Tribunal de Justiça cuida de causas de desrespeito à lei federal, já o Supremo cuida de assuntos relacionados a desrespeito à Constituição. A respeito da teoria não ser a prática, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça se manifestou em uma palestra promovida pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3.ª Região:
"Hoje estão transformando exceções em regras, inviolabilidades em violabilidades. Onde se lê 'são invioláveis', atualmente, pessoas bem ou mal-intencionadas estão lendo 'são violáveis [...] no STJ, nenhum ministro tem menos de mil processos de habeas corpus aguardando julgamento [...] Da forma como a situação se encontra, resta prejudicada a rapidez, a leveza e a exatidão, características fundamentais das decisões, especialmente quando a liberdade é o que está em jogo"

3 - A Realidade das Cortes Constitucionais pelo Mundo

3.1 – Conselho Constitucional da França

O Conselho Constitucional francês têm três competências jurisdicionais:

a) Contencioso normativo

A fiscalização a respeito da constitucionalidade é preventiva e abstrata, sendo facultativa para leis ordinárias ou compromissos internacionais sendo obrigatórias para leis orgânicas e regimentos das assembleias legislativas. Igual ao que acontece aqui, o controle de constitucionalidade é exercido através de ação própria, mas submetida à aprovação do Parlamento.
Como árbitro da repartição das competências das leis e regulamentos, o Conselho Constitucional pode ser consultado durante o processo legislativo pelo presidente da assembleia.

b) Contencioso Eleitoral

O Conselho Constitucional determina se houve regularidade da eleição do Presidente da República e dos referendos, publicando os respectivos resultados. Fiscaliza a lisura das eleições, elegibilidades e as incompatibilidades dos deputados.

c) Competência Consultiva

O Conselho Constitucional emite parecer quando consultado pelo Chefe do Executivo a respeito da aplicação do art. 16 da Constituição (atribuição de plenos poderes em momentos de crise) e depois, a respeito das decisões tomadas nesse período.

3.2 – Tribunal Constitucional Federal da Alemanha

O controle de constitucionalidade na Alemanha é do tipo concentrado, ou seja, somente o Tribunal Constitucional Federal é competente para julgar a constitucionalidade de leis. Sua competência está delimitada no art. 93 da Constituição alemã e pode ser aumentada através de lei federal. Dentre as principais competências da Corte Maior da Alemanha pode ser citado:
a) Controle abstrato de normas (art. 93, I, n.º 2 e 2a, LF);
b) Controle concreto de normas (art. 100, I, LF);
c) Verificação normativa (art. 100, II, LF);
d) Reclamação constitucional (art. 93, I, n.º 4, LF);
e) Lides entre órgãos estaduais (art. 93, I, n.º 1, LF);
f) Litígio entre a Federação e os Estados-Membros (art. 93, I, n.º 3, 84, IV, LF).

3.3 – Suprema Corte dos Estados Unidos

A Suprema Corte dos Estados Unidos julga em grau de recurso as causas já decididas pelos Tribunais de Apelação Federais e também as ações também em grau de recurso das Supremas Cortes Estaduais.
Dentre as competências da Corte Constitucional dos EUA destacam-se reapreciar todas as decisões das Cortes Federais intermediárias bem como as decisões das Supremas Cortes Estaduais quando o assunto for tocante a direito federal, ou seja, questões de ordem constitucional ou lei federal.
A seleção das questões a serem conhecidas pela Suprema Corte norte-americana é feita pela apreciação do writ of certiorari, que é uma competência discricionária, é um pedido realizado pelos litigantes no qual é postulado à Corte que se manifeste a respeito de uma questão de mérito. O writ será acolhido se pelo menos quatro dos seus juízes se manifestarem positivamente.

4 – Conclusão

Resta evidente que o sistema recursal do Poder Judiciário brasileiro deixa muito a desejar. Inicia-se pelo fato do desrespeito às normas constantes do art. 102 da Constituição da República, onde delimita as competências da nossa Corte Constitucional. É inconcebível que sejam julgados por ano cerca de dez mil habeas corpus e manter a celeridade das demais ações que fazem parte da sua competência constitucional.
Infelizmente foi criado um costume judicial dentro do Judiciário brasileiro que todo e qualquer descontentamento é fruto de inconstitucionalidade e deve ser levado às instâncias superiores, principalmente ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Há casos recentes que a ação penal mal foi instaurada na primeira instância e após a negativa na primeira instância já foi remetido habeas corpus para o STF.
Como citou o ministro Barroso no julgamento do HC do Palocci "Não é nem jabuticaba, é pior do que jabuticaba. Está completamente desarrumado o sistema de HC no Brasil”. Em um sistema jurídico ou judicial totalmente desorganizado há a certeza de que a prestação jurisdicional será falha e que a impunidade continuará a existir.